Testemunho
“É sempre preciso ajustarmos as nossas expectativas à realidade” – Mário Nzualo
Antes de trabalhar para a Seedrs, Mário Nzualo foi membro de prestigiadas sociedades como a BEST (que reúne estudantes de cursos ligados à engenharia, onde chegou a presidente) e a Kairos Society – uma comunidade global de jovens empreendedores. Com um percurso exemplar como estudante, Mário criou o Ambrósio, um projecto que partilha e recomenda restaurantes.
Fala-nos do teu percurso académico e profissional
Eu estudei na Escola Portuguesa de Moçambique do 5.º ao 12.º ano, pelo que quando acabei o secundário o percurso natural foi deslocar-me a Lisboa para começar o meu percurso universitário.
Estudei Engenharia de Telecomunicações e Informática no Instituto Técnico de Lisboa. Foi no Técnico onde fiz a Licenciatura e o Mestrado, e que descobri que gostava de desenvolver aplicações de software para a Internet.
Por essa razão, após acabar o curso em 2013, optei por seguir um percurso profissional ligado ao desenvolvimento de software.
Comecei por trabalhar como consultor informático na Opensoft onde desenvolvi aplicações ligadas aos sectores de e-government, bem como ligadas ao sector bancário.
O meu 2.º e actual desafio profissional tem que ver com a Seedrs, que é uma startup que disponibiliza uma plataforma de equity crowdfunding que permite que empreendedores possam angariar fundos para os seus projectos e que investidores possam ter acesso a um leque alargado de oportunidades de investimento. Na Seedrs também trabalho como engenheiro de software.
Como é que conseguiste o teu primeiro trabalho?
Creio que segui um percurso natural. Comecei por olhar para o mercado de trabalho como um todo para perceber que tipo de oportunidades profissionais existiam. Depois tentei perceber quais dessas oportunidades se adequavam a mim.
Tentei perceber que tipo de percurso profissional queria ter, ou seja, algo muito ligado ao desenvolvimento de um produto de software. Também tentei conhecer a cultura da empresa para onde iria trabalhar, pois gosto de trabalhar em sítios onde me sinto à vontade. Por último, tentei perceber quais as oportunidades para as quais tinha as capacidades necessárias – é sempre preciso ajustarmos as nossas expectativas à realidade, à medida que vamos desenvolvendo as nossas competências é possível apontarmos para voos mais altos.
Felizmente, após um processo longo, tive a oportunidade de conhecer várias empresas, e a Opensoft acreditou no meu potencial.
Em que é que consiste o teu dia-a-dia de trabalho?
Eu passo a maior parte do meu dia a desenvolver software com uma ferramenta denominada Ruby on Rails. Isso envolve fazer ajustes à interface da aplicação para que os utilizadores tenham uma experiência agradável, bem como desenvolver novas funcionalidades.
Uma parte importante do desenvolvimento do software também envolve comunicar com os vários stakeholders do projecto para garantir que estamos a satisfazer as necessidades que o negócio tem.
Para além disso, tenho algumas tarefas relacionadas com o apoio à minha equipa, no que diz respeito à documentação do nosso trabalho, auxílio em dúvidas que possam surgir sobre os requisitos, revisão de código, e apoio em tudo o que seja preciso.
O que dizes das tuas expectativas como estudante e aquilo que encontraste no mercado de trabalho?
É difícil recordar-me de algo em particular. Mas uma das coisas que me apercebi foi que houve várias coisas que aprendi na faculdade e que achei que eram uma perda de tempo e que acabaram por ser úteis. A Universidade ou a Escola não é um destino mas uma viagem que dá acesso a uma rede valiosa, expõe-nos a uma panóplia de assuntos distintos que são a base para muito do que fazemos e ensina-nos a pensar.
Podes recordar um momento desafiante como profissional?
Quando acabei o curso e comecei a trabalhar não me achava um bom programador. Naturalmente, não era esperado que fosse um grande programador porque ainda não tinha experiência profissional, mas mesmo assim não achava que tinha as competências que deveria ter naquela fase da minha vida, principalmente quando me comparava com alguns dos meus colegas.
Assim sendo, quando comecei a trabalhar fiz um esforço para aprender tudo o que podia com livros, com artigos e cursos online, com projectos pessoais. Na altura parecia que estava a começar do zero, mas tudo o que aprendi foi muito importante para o percurso que tenho estado a ter e estou feliz com os resultados.
Quais são os maiores conseguimentos na tua carreira?
Comecei a minha carreira há pouco menos de 3 anos e portanto é-me complicado pensar em conquistas pessoais. Por agora estou contente por conseguir trabalhar numa área que gosto e por sentir que aprendo todos os dias.
Qual é a tua visão para o futuro do sector ?
Acho que é uma altura muito interessante para se trabalhar na área do software. O Software está a transformar o mundo, desde a forma como trabalhamos, como consumimos entretenimento, à forma como usamos o nosso dinheiro. Assim sendo, é uma área que não só tem inúmeras oportunidades profissionais interessantes bem como temos a oportunidade de ter um impacto enorme no mundo.
Que características consideras fundamentais para um profissional na tua área?
A área do software está sempre a evoluir, portanto trabalhar nesta área requer curiosidade e disciplina para se estar sempre a aprender novas metodologias, novas plataformas, novas linguagens de programação. Não só é preciso aprender coisas novas mas também é importante aprender as boas práticas.
Programar é semelhante a escrever, é importante uma pessoa aprender a comunicar e expressar-se de forma clara.
Naturalmente, é importante uma pessoa desenvolver competências técnicas na plataforma para a qual pretende trabalhar.
É também importante saber trabalhar em equipa.
Que características consideras fundamentais para qualquer profissional ou candidato?
Muitas das coisas que previamente mencionei também se aplicam a qualquer candidato. Acho que aprender a aprender e a pensar são as ferramentas que qualquer pessoa deve ter.
Que recomendações darias a um jovem estudante, que suscitassem nele o interesse pela tua área?
A vantagem da área onde trabalho é que há cada vez menos barreiras no acesso à informação. Há programadores muito competentes que disponibilizam o software que fazem de forma aberta e gratuita, há muitos cursos on-line onde se pode aprender com os melhores do mundo, há muita literatura que está acessível a todos. Sugeria que aproveitasse esse poço de conhecimento para aprender e experimentar.
Sugeria também que desenvolvesse projectos pessoais para ter a oportunidade de estar em contacto com sistemas reais.
Tiveste, aparentemente, uma trajectória estudantil notável – podes falar disso e das possibilidades que se te abriram?
Sim, ganhei alguns prémios no secundário onde fiz parte do quadro de honra. E também na faculdade onde conclui a licenciatura com a melhor média do curso.
Não me parece que esses prémios por si só tenham aberto assim muitas portas. Acho que os prémios, embora representem um reconhecimento do trabalho, são secundários. O que importa, a meu ver, é o trabalho, a disciplina e aprendizagem que permitiram ganhar esses prémios, isso sim permitiu-me ter o percurso académico e profissional que estou a ter.
Como é que foi a tua passagem na presidência da BEST e do teu envolvimento em movimentos associativos juvenis?
Durante a faculdade fui membro de uma associação internacional de estudantes de cursos ligados às engenharias, BEST. Durante essa experiência, que durou cerca de 4 anos, tive a oportunidade de liderar equipas, gerir projectos, viajar pela Europa e conhecer muitas pessoas interessantes. Um dos pontos altos dessa experiência foi o ano em que fui eleito Presidente Internacional, tive a oportunidade de gerir uma organização com 4000 membros oriundos de 30 países.
O meu envolvimento em associações juvenis foi muito positivo, na medida que me permitiu desde cedo estar envolvido em projectos com outras pessoas (embora pequenos) e assim desenvolver os meus soft skills. Também foi algo que ajudou a expandir a minha rede pessoal.
Fala da tua participação em projectos como o Ambrosio?
Eu gosto de fazer projectos pessoais. É uma forma de estimular a minha criatividade, de trabalhar numa ideia do início ao fim e de trabalhar com amigos. Os projectos em que estive envolvido recentemente são o Ambrosio – um site de recomendação de restaurantes – e o Meio Por Cento – uma aplicação que disponibiliza dados sobre organizações elegíveis para a consignação do IRS.
Projectos deste tipo também ajudam a criar uma espécie de portefólio pessoal e costumam ter um impacto positivo num processo de recrutamento.
Tens um blog – é um compromisso firme com a escrita?
O blog tem dois propósitos. Por um lado gosto de escrever e o blog é uma forma de melhorar a minha capacidade de me expressar. Por outro lado, é uma forma de partilhar algumas coisas que vou aprendendo. Quase tudo o que aprendemos, em livros, em cursos, com colegas de trabalho, foi-nos ensinado por alguém – e gosto de ter uma plataforma para poder dar algo de volta.
Estás estabelecido em Portugal – é transitório? Ou é mesmo o lugar onde te sentes bem e queres ficar?
Não sei. Eventualmente gostava de sair da minha zona de conforto e viver noutro país mas, por agora, não tenho planos para o fazer no curto prazo.
E Moçambique? Qual é o teu contacto hoje com o país?
Eu vou a Moçambique regularmente para visitar os meus familiares. Tenho vários amigos importantes que vivem em Maputo. Muitas das minhas memórias mais felizes estão associadas a momentos vividos em Moçambique. De momento os meus planos profissionais não passam por Moçambique. Há muito que ainda quero aprender e os desafios profissionais que me interessam estão na Europa ou nos EUA. Não tenho planos concretos para Moçambique no médio prazo. No entanto, não sei o que o futuro ditará, a vida dá muitas voltas.