Testemunho
“Viver da arte é um problema que não é só de Moçambique, é difícil em todo lado” – Nelsa Guambe
Nelsa Guambe expôs pela segunda vez, numa individual, no fim do ano passado. É um dos novos nomes das artes plásticas em Moçambique. Depois de uma curta carreira numa agência de cooperação, trabalhando com gestão de calamidades, hoje dedica-se inteiramente à criação artística.
Qual é a tua formação e onde é que começaste a trabalhar?
Em 2010 terminei a minha licenciatura em Administração Pública e Estudos de Desenvolvimento em Pretória, África do Sul, e voltei para Moçambique para trabalhar para a Cooperação Alemã, num projecto de gestão de calamidades. Trabalhei quatro anos e no fim do ano passado (2014) decidi que queria fazer outra coisa, artística, num projecto pequeno, não com a dimensão dos da Cooperação Alemã. Decidi parar mas não tinha certeza do que queria fazer. Tinha um forte interesse na pintura e na fotografia mas não sabia onde me focalizar. Parei tudo e viajei durante 45 dias. Quatro semanas em Moçambique, fui a Ibo, a Ilha de Moçambique, e depois Europa, onde visitei museus, amigos, questionando-me o que é que iria fazer. Quando regressei comecei a trabalhar com os Piratas do Pau.
Queria trabalhar em algo pequeno e mais criativo. Pintava e percebi que a minha inclinação estava aí. Vi que tinha um bom grupo de quadros e pedi ao Núcleo D’Arte para expor. Foi assim que entrei nas artes.
A tua transição para a artes foi resultado desse momento de paragem, dessa viagem, ou já praticavas mas sem dedicar muito tempo?
Eu pintava de vez em quando, como hobbie, no fim-de-semana, e tinha uns quadros no Núcleo. Depois de sair da Cooperação Alemã decidi experimentar a tempo inteiro. Não sei se é possível pagar as contas, veremos no futuro, neste momento é um experimento, é uma área de que gosto muito e espero ser capaz de continuar a fazer, com a fotografia em paralelo, e ver se é possível ter uma vida decente fazendo estas actividades.
Como é que foi essa experiência numa agência de cooperação e depois a transição para a tua actividade actual?
A experiência foi muito boa. Tive a possibilidade de trabalhar no terreno em vários níveis, nacional e local. Lidar com pessoas a vários níveis foi muito importante. O trabalho em si, fazer a gestão de risco de calamidades, criação de sistema de aviso prévio nas bacias de Búzi e Limpopo, é uma área que fascina. Mas eu acho que não fui feita para trabalhar em instituições e então precisava de fazer algo artístico. Eu vi que as minhas energias não estavam sendo direccionadas para aquilo que podia fazer melhor. E ainda estou à procura, na verdade. Estou na pintura mas não sei se é exactamente o que procuro. Neste momento faço o que gosto e sinto que as pessoas gostam do meu trabalho, e isso motiva-me a continuar.
Como é que foi a ligação (ou falta dela) entre o que estudaste e o que encontraste no mercado de trabalho?
Claro que o contraste sempre existe. Primeiro, nunca tinha trabalhado. Segundo, na universidade é teoria e na prática descobrimos outras coisas, especialmente se estamos a trabalhar em comunidades, precisamos de sensibilidade para entender as culturas, e não é algo que aprendemos na escola. São desafios mas acho que quando somos abertos, e queremos aprender, e não temos a pretensão de que sabemos tudo, é fácil aprender, integrar e entender o que está a acontecer.
Achas que ainda estás num momento de procura, em termos profissionais?
Gosto muito de experimentar, e além disso sou moçambicana, pensar muito no que vou fazer daqui a dez anos, acho que esse planeamento longínquo não é o nosso forte (risos), e não é o meu também, acho que as artes serão a minha área, com os Piratas do Pau na mobília, a pintura, a fotografia. Não sei se serão cinco ou dez anos, mas vou virar-me para aí.
Qual é o teu envolvimento com os Piratas do Pau?
As colaborações tornam o produto mais forte, diferentes ideias, os Piratas do Pau oferecem-me isso, é um estúdio, cada um tem a sua ideia. Faço um pouco de tudo nos Piratas do Pau, ajudo especialmente no Marketing, faço as fotografias, edito-as e faço a gestão da página no Facebook, ajudo com alguns designs e pinto as mobílias em metal.
Qual é o teu método de trabalho no dia-a-dia? Disciplinado? Espontâneo?
É uma combinação dos dois. A maior parte dos quadros nesta exposição (na Associação Moçambicana de Fotografia, de 19 de Novembro a 10 de Dezembro de 2015) foram primeiro pensados, fiz alguns sketchs, fiz desenhos mais pequenos, coleccionei as ideias sobre como queria fazer os quadros, um e outro foram espontâneos. A maioria é precedida de uma pesquisa, a maneira como quero apresentar, qual o tamanho da tela, faço um desenho e depois de estar feliz faço a tela. No processo há coisas que mudam, vou acrescentando umas, tirando outras.
Qual é a tua opinião sobre inspiração e a criação artística?
Pelo menos para mim, a tela precisa de várias camadas de tinta e não é algo que vais acordar e fazer duas ou três horas e já está, é um processo, pintas e colocas mais tinta, eu trabalho muito com pastel de óleo, é um processo e leva o seu tempo, mas claro, há algumas obras em que o pessoal acorda bem inspirado e pinta a partir das duas e termina, depende sempre do tamanho, mas acredito que é preciso trabalhar a tela para ficar consistente.
Que qualidades consideras fundamentais para um artista?
É preciso haver material para se criar, e temos um défice grande em Moçambique. Eu não sei se estou em posição de responder a esta pergunta, mudei de profissão e ainda não sei como é que isto funciona em Moçambique. Há muito poucos críticos de arte que vêm e falam sobre a minha exposição, é difícil saber como é que devo melhorar, uma análise de alguém que entende da área para dizer-me como devo continuar. O que posso dizer que é necessário é trabalhar, se a pessoa gosta de fazer, é melhor dedicar-se a tempo inteiro, as coisas não acontecem do nada, apoio não vem do nada, eu tive que investir, tive que trabalhar duro, pintar e pintar, até expor no Núcleo d’Arte, mas foi porque eu gostava. Não o fazia para alguém gostar.
Consideras relevante o papel do crítico de arte?
Acho que é necessário. Não é preciso ser um crítico propriamente. Mesmo que sejam pessoas há mais tempo nas artes, há 20 anos a pintar. É necessário ouvir as suas ideias, precisamos dessa colaboração entre os novos e os que estão há muito tempo. A crítica é sempre bem-vinda, é sempre necessária. Na Cooperação Alemã eu tinha um responsável que prestava muita atenção aos novos profissionais, ia ao terreno, questionava como é que foi, queria saber qual é o nosso progresso…acho que tem que existir isso na arena artística, nós que estamos a começar precisamos de ouvir as pessoas que estão lá, sejam curadores, críticos, seja quem for, mas claro, uma entidade credível. Precisamos de um olho crítico, a crítica faz-nos crescer.
Que momentos consideras de maior conseguimento até agora?
Ter pintado vários quadros e tê-los no corredor em casa e no dia da abertura da exposição, no dia 10 de Abril (de 2015), vê-los pendurados na galeria do Núcleo d’Arte e ter um espaço para ver à distância. As coisas positivas ou negativas que foram ditas vieram depois. O facto de ter os quadros pendurados na galeria foi um conseguimento muito grande para mim. Fiquei muito feliz e foi o estabelecimento da ideia de é que é possível e que podes pendurá-los noutra galeria.
Quais são as tuas perspectivas para os próximos anos?
Eu gostava de aperfeiçoar a arte de pintar e também de fotografar, arte de que gosto muito, e gostava também de expor em outras galerias em Moçambique, aquelas em que ainda não expus. Gostava de contactar com o mercado de fora, com as pessoas, as galerias internacionais, especialmente da SADC, estou interessada em ter o meu trabalho nas suas paredes. Isso é o que gostava de fazer nos próximos anos.
Achas que é possível viver da arte em Moçambique?
Viver da arte é um problema que não é só de Moçambique, é difícil em todo lado, mas há pessoas que vivem dela – e vale a pena tê-las como nossa inspiração. O que acho é que devemos experimentar vários domínios – no caso da pintura. Muitas vezes trabalhamos a tela e não conseguimos vender. Se temos outras áreas em que procuramos expressar…não nos podemos limitar à tela, é importante procurar outros materiais em que podemos trabalhar, no universo da nossa criatividade; talvez as pessoas não têm espaço para uma tela, mas terão para outra coisa pintada. Acho que é bom experimentar outras coisas e talvez assim as pessoas encontram mais opções e acabam por levar outras coisas que não telas, é o que sinto nesta exposição. As pessoas se calhar não têm espaço para uma tela grande, mas têm para uma pequena, uma máscara, uma lâmpada, acho que essa diversidade abre-te mais possibilidades…não sei se se consegue rendimento suficiente, eu gostava de viver da minha criação.
Que obstáculos é que vês para um artista em Moçambique?
Para mim o maior é o material, às vezes fico sem certas cores e o mercado local oferece tinta com qualidade questionável…eu gosto de ler sobre arte, seria bom se tivéssemos mais livros, mais revistas, sobre arte contemporânea, por exemplo, para que possamos ver e inspirar-nos nos trabalhos dos outros, ver o que o mundo lá fora está a produzir, com a internet consegue-se ter informação, é verdade, mas precisamos de mais. Livros são bons mas aqui são caros.
Onde é que te vês daqui a 10 anos?
Acho que é importante termos metas, sonhos, é necessário sonhar, eu gostava de expor em outras galerias dentro e fora do país, representar a arte, representar a minha família, apresentar o meu trabalho a nível internacional.